“Mercedes”, mais novo espetáculo da Galharufas Cia de Teatro, estreia em João Pessoa
"Mercedes" (Foto: Paulo Vieira) |
O
texto coloca os cinco atores em cena para cantarem e dançarem, numa perspectiva
de criação aleatória de uma personagem, assim como de suas ações e o reflexo
das mesmas no todo, num agradável estranhamento. “Mercedes” e sua casualidade
calcada no teatro randômico, é um jogo de dados que remete à urbanidade e às
relações de exploração do homem pelo homem, como consequência das condições
socialmente dadas, recorrendo a fatos da época da Ditadura Militar no Brasil,
período conhecido como “Anos de chumbo”.
Nesse
espetáculo não encontraremos um recorte histórico e nem amarras de juízo de valor
sobre Os Anos de Chumbo, mas sim, a
possibilidade (ou inúmeras possibilidades) de construção de um novo olhar sobre
este período negro da história do Brasil.
Como nasceu o texto
Paulo Vieira (Foto: Assessoria) |
Paulo Vieira, em
1964, ano do golpe, tinha apenas seis anos. Não participou dos movimentos
sociais da época, mas cresceu sob a sombra da Ditadura Militar. Mesmo criança,
tinha significativa curiosidade acerca dos fatos que aconteciam ao seu redor, e
o mesmo tempo relata que sentia o medo que os mais velhos sentiam, quando, por
exemplo, alguém cantava "Caminhando e Cantando", canção do paraibano Geraldo
Vandré, que somente anos depois ele conheceu o título verdadeiro – “Para não
dizer que não falei das flores”.
O autor
vivenciara várias situações de intolerância e confronto com as autoridades
policiais, e afirma que “o medo era a tônica da vida comum” naquela época. E a
sua passagem como revisor, ainda na adolescência, no Jornal A União, lhe
possibilitava mais informações sobre esse momento.
Veio Collor como o prenúncio da
salvação, quando na verdade era apenas mais um. Aí veio os “Caras Pintadas”, “Impeachment
Collor” e “Lula”, quando sentia-se a esperança nos corações dos que acreditavam
e até mesmo dos que não acreditavam. Mas, “o tempo volta, em sua trajetória
elíptica. É a farsa que se desvenda, é o teatro das ilusões. É o sonho que
morre, mas é a esperança que renasce e que alimenta a nossa alma de
brasileiros. Mercedes é isso”, defende Paulo Vieira.
Um espetáculo
que fala de maneira randômica sobre vidas e desejos. Mercedes é o encontro das
personagens e as suas idiossincrasias no tempo que é circular, que é
simultâneo, que é linear e que é, acima de tudo, humano, meramente humano, embalado
pela canção “Mercedes Bens”, de Janis Joplin. Mercedes remete ao automóvel, mas
remete igualmente para um sentimento de alteridade. Mercedes não é uma
personagem, mas duas outras projetadas em espaço e tempo diferenciados.
Esse projeto foi
idealizado pelo autor e diretor Paulo Vieira e a atriz Suzy Lopes. Juntos
submeteram o projeto ao Edital FIC Augusto dos Anjos do Governo do Estado da
Paraíba, através da SECULT – Secretaria de Estado da Cultura, sendo assim
habilitados a executar a obra.
O Galharufas
É um grupo criado
por Paulo Vieira em 1997, no ano em que estreou com o espetáculo Noite Escura, sob direção do seu
fundador. Com este espetáculo o grupo ocupou a Capela de Santa Tereza, no
Centro Histórico da capital paraibana - prédio com avançado processo de
degradação. Utilizando o ambiente, o grupo montou um teatro preservando o seu
riquíssimo acervo de imagens e afrescos do século XVII, e onde realizou uma
longa temporada, somente interrompida após o Iphan solicitar o espaço a fim de
recuperá-lo, o que efetivamente aconteceu, e hoje esta capela retomou o seu
lugar sagrado para os Carmelitas.
Depois de deixar
a Capela de Santa Tereza, o Galharufas refez o espetáculo para adaptá-lo para
espaços alternativos, e assim viajou por pequenas cidades do interior e por diversas
outras cidades-polos do país, apresentando-se em ruas, mercados e jardins de
teatros, até a sua dissolução em 2001. O fim de Noite Escura significou a dispersão do elenco.
Retornando em
2003 com uma montagem da Cantora Careca
de Ionesco, trazia em seu elenco Mayana Neiva, Fernanda Martinez e Gilson
Azevedo. Com este espetáculo, o grupo ficou entre os 30 espetáculos
selecionados no Projeto Criação Teatral Volkswagen, que teve naquele ano, 503
inscritos de todas as partes do Brasil.
Ficha Técnica
Texto e direção: Paulo Vieira
Assistente de direção: Suzy Lopes
Elenco: Suzy Lopes, Nyka Barros, Jorge
Felix, Eulina Barbosa e Bárbara Hellen.
Preparação corporal: Nyka Barros
Preparação vocal: Jorge Felix
Trilha sonora: Didier Guigue
Músico: Luã Brito (guitarrista)*
*Esse instrumento foi escolhido para
remeter às manifestações nas ruas em 1967, a “Passeata contra a guitarra
elétrica”, iniciado pelo músicos que defendiam a MPB e os instrumentos
inerentes à música do país, como o violão, por exemplo.
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